O vento

O vento...


O vento soprava enquanto eu ia

Por caminhos tortuosos descia

No peito um coração que sofria

Mesmo assim minha alma sorria



Ser a brisa suave ele queria

Mas a pele na face enrijecia

O vento soprava enquanto eu ia

Ver onde o horizonte se perdia


Além do mar que se encolhia

Vou voar e me perder no céu um dia

Entre os anjos sei que me envolveria

Jamais provar a dor que me consumia

O vento soprava enquanto eu ia



domingo, 27 de junho de 2010

Piotr Kropotkin

Nossas Riquezas
A humanidade caminhou grande trecho desde aquelas remotas idades durante as quais o
homem vivia das casualidades da caça e não deixava a seus filhos mais herança do que um
refúgio sob as penas, pobres instrumentos de sílex e a natureza, contra a que tinham que lutar
para seguir sua mesquinha existência. No entanto, nesse confuso período de milhares e
milhares de anos, o gênero humano acumulou inacreditáveis tesouros. Roturó o solo, desecó
os pântanos, fez trochas nos bosques, abriu caminhos; edificou, inventou, observou, pensou;
criou instrumentos complicados, arrancou seus segredos à natureza, domou o vapor, tanto
que, ao nascer, o filho do homem civilizado encontra hoje a seu serviço um capital imenso,
acumulado por seus predecessores. E esse capital lhe permite obter riquezas que superam aos
sonhos dos orientais em seus contos das mil e uma noites.
Ainda são mais pasmosos os prodígios realizados na indústria. Com esses seres inteligentes
que se chamam máquinas modernas, cem homens fabricam com que vestir a dez mil homens
durante dois anos. Nas minas de carvão bem organizadas, cem homens extraem cada ano
combustível para que se esquentem dez mil famílias num clima rigoroso. E se na indústria,
na agricultura e no conjunto de nossa organização social só aproveita a um pequeñísimo
número o labor de nossos antepassados, não é menos verdadeiro do que a humanidade inteira
poderia gozar uma existência de riqueza e de luxo sem mais do que com os servos de ferro e
de aço que possui. Somos ricos, muitíssimo mais do que cremos. Ricos pelo que possuímos
já; ainda mais ricos pelo que podemos conseguir com os instrumentos atuais; infinitamente
mais ricos pelo que pudéssemos obter de nosso solo, de nossa ciência e de nossa habilidade
técnica, se se aplicassem a tentar o bem-estar de todos.
Somos ricos nas sociedades civilizadas. Por que há, pois, essa miséria em torno nosso? Por
que esse trabalho penoso e embrutecedor das massas, Por que essa insegurança do manhã
(até para o trabalhador melhor retribuído) no meio das riquezas herdadas do ontem e apesar
dos poderosos meios de produção que dariam a todos o bem-estar a mudança de algumas
horas de trabalho cotidiano? Os socialistas o disseram e repetido até a saciedade. Porque tudo
o necessário para a produção foi açambarcado por alguns em decorrência desta longa história
de saques, guerras, ignorância e opressão em que viveu a humanidade antes de aprender a
domar as forças da natureza. Porque, amparando-se em pretendidos direitos adquiridos no
passado, hoje se apropriam dois terços do produto do trabalho humano, dilapidando-os do
modo mais insensato e escandaloso. Porque reduzindo às massas no ponto de não ter com
que viver um mês ou uma semana, não permitem ao homem trabalhar senão consentindo em
deixar-se tirar a parte do leão. Porque lhe impedem produzir o que precisa e lhe forçam a
produzir, não o necessário para os demais, senão o que maiores benefícios promete ao
acaparador. Contemple-se um país, civilizado. Taláronse os bosques que antanho o cobriam,
se desecaron os pântanos, saneou-se o clima: já é habitável. O solo, que em outros tempos só
produzia grosseiras ervas, fornece hoje ricas mieses. As rochas, reprovadas sobre os vales do
Meio dia, formam sacadas por onde trepam as vinhas de dourado fruto. Plantas silvestres que
antes não davam senão um fruto áspero ou umas raízes não comestíveis, foram transformadas
por reiterados cultivos em saborosas hortaliças, em árvores carregadas de frutas
extraordinárias. Milhares, de caminhos com base de pedra e férreos carriis sulcam a terra,
furam as montanhas; nos abruptos desfiladeiros assobia a locomotiva.
Os rios se fizeram navegáveis; as costas sondadas e esmeradamente reproduzidas em mapas,
são de fácil acesso; portos artificiais, trabajosamente construídos e resguardados contra os
furores do oceano, dão refúgio aos navios. Horádanse as rochas com poços profundos;
labirintos de galerias subterrâneas se estendem ali onde há carvão que sacar ou minerais que
recolher. Em todos os pontos onde se entrecruzan caminhos brotaram e crescido cidades,
contendo todos os tesouros da indústria, das artes e das ciências. Cada hectare de solo que
lavramos em Europa, foi regada com o suor de muitas raças; cada caminho tem uma história
de servidão pessoal, de trabalho sobrehumano, de sofrimentos do povo. Cada légua de via
férrea, cada metro de túnel, receberam sua porção de sangue humano.
Os poços das minas conservam ainda frescas as impressões feitas na rocha pelo braço do
barrenador. De um a outro pilar puderam assinalar-se as galerias subterrâneas pela tumba de
um mineiro, arrebatado na flor da idade pela explosão de grisú, o afundamento ou a
inundação, e fácil é adivinhar quantas lágrimas, privações e misérias sem nome custou cada
uma dessas tumbas à família que vivia com o exíguo salário do homem enterrado sob os
entulhos. As cidades; enlaçadas entre si com carriis de ferro e linhas de navegação, são
organismos que viveram séculos. Cavai seu solo, e encontrareis enfiadas sobrepostas de ruas,
casas, teatros, circos e edifícios públicos. Aprofundai em sua história, e vereis como a
civilização da cidade, sua indústria, seu gênio, cresceram lentamente e madurado pelo
concurso de todos seus habitantes antes de chegar a ser o que são hoje.
E ainda agora, o valor de cada casa, de cada ateliê, de cada fábrica, de cada armazém, só é
produto do labor acumulado de milhões de trabalhadores sepultados sob terra, e não se
mantém senão pelo esforço de legiões de homens que habitam nesse ponto do balão. Que
seria dos docks de Londres, ou dos grandes bazares de Paris, se não estivessem situados
nesses grandes centros do comércio internacional? Que seria de nossas minas, de nossas
fábricas, de nossos estaleiros e de nossas vias férreas, sem o cúmulo de mercadorias
transportadas diariamente por mar e por terra? Milhões de seres humanos trabalharam para
criar esta civilização da que hoje nos gloriamos. Outros milhões, disseminados por todos os
âmbitos do balão, trabalham para sustentá-la. Sem eles, não ficariam mais do que entulhos
dela dentro de cinquenta anos. Até o pensamento, até a invenção, são fatos coletivos, produto
do passado e do presente. Milhares de inventores prepararam o invento de cada uma dessas
máquinas, nas quais admira o homem seu gênio. Milhares de escritores, poetas e sábios
trabalharam para elaborar o saber, extinguir o erro e criar essa atmosfera de pensamento
científico, sem a qual não tivesse podido aparecer nenhuma das maravilhas de nosso século.
Mas esses milhares de filósofos, poetas, sábios e inventores, não falam sido também
inspirados pelo labor dos séculos anteriores? Não foram durante sua vida alimentados e
sustentados, assim no físico como no moral por legiões de trabalhadores e artesãos de todas
classes? Não adquiriram sua força impulsiva no que lhes rodeava? Certamente, o gênio de
um Seguin, de um Mayer e de um Grove, fizeram mais por lançar a indústria a novas vias
que todos os capitais do mundo. Estes mesmos gênios são filhos de indústria, igual que da
ciência, porque foi necessário que milhares de máquinas de vapor transformassem, ano após
ano, à vista de todos, o calor em força dinâmica, e esta força em som, em luz e em
eletricidade, antes de que essas inteligências geniais chegassem a proclamar a origem
mecânica e a unidade das forças físicas.

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