Fato peculiar do fenômeno humano é a capacidade instintiva de sobrevivermos recriando e adaptando o viver de acordo com as necessidades do momento.
Outro dia num vagão de trem presenciei uma cena que me deixou pensativo, surgiu uma figura fora dos padrões com um skate, o sujeito mais velho vestido como garoto trazia no bolso uma gaita de boca, logo entrou um jovem ouvindo um hip hop bem alto, ainda tinha outro grupo possivelmente religioso, parei para analisar aquele momento, num espaço exíguo encontrava-se as manifestações paradoxais da sociedade , comum nas grandes metrópoles do país.
A cena foi monumental, o skatista transformou-se com o som do hip hop, sacou de sua gaitinha num improviso eufórico aproximando-se do jovem que estava com celular em riste símbolo do seu enfrentamento cultural diante dos incomodados passageiros.
Ali se estabeleceu um confronto nem tão silencioso, chocou-se a multiplicidade de comportamentos que formam o tecido, já cheio de buracos, o tecido social. Manifestaram-se de formas diferentes os usuários do trem, uns sorriam, outros se mostravam indignados com aquela demonstração de pouco caso com sua tranqüilidade, sentindo-se agredidos por tamanha demonstração de indiferença.
Indiferença é a palavra que se encaixa naquela cena, os protagonistas não davam a mínima para a opinião alheia, som, comportamento alterado, skate e gaitinha de boca formavam um quadro de enfrentamento aos comportados e conformados cidadãos no seu deslocamento num domingo à noite qualquer.
Numa visão poética a cidade pode ser comparada a uma flor com pétalas coloridas e aromáticas que nos encantam, também com seus espinhos prontos a nos machucar, numa visão mais crua a cidade reflete o interior dos seus habitantes, hoje prisioneiros desse modelo que prega e interna os seres em conjuntos habitacionais, centros de lazer, shoppings, voltamos a caverna profetizou Saramago, só desfrutamos da liberdade com total segurança, normalmente paga.
Situação estranha essa, nos fim de semana os humanos radicados nas grandes cidades disputam os espaços públicos numa verdadeira catarse coletiva em busca do contato com a natureza, reminiscências diria Platão
No passado fomos naturais, mas nos desconectamos em algum momento já esquecido, na atualidade não temos tempo à agenda não permite este deslize, adiamos até o domingo, mas tem aquele...
A sociedade criou seus delitos suas prisões suas concessões, suas corporações sua estética sua ordem e seu comportamento e num requinte tecnológico aprisionou-nos a um vídeo um teclado e uma cadeira nos afastando das ruas e até do sol, tempos modernos em que caminhar no campo, molhar os pés na água daquele riacho transforma-se numa metáfora ficcionista.
Uma pergunta permanece sem resposta será que o cidadão comum tem todas as suas aspirações atendidas pelos padrões em que vivemos, será que uma simples demonstração pública do comportamento de grupos sociais com outros valores choca agride ou incomoda pelo fato de negar o comportamento dito normal? Será que retornaremos ao caminho do simples mais adequado ao gênero humano?
André Soares
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O vento
O vento...
O vento soprava enquanto eu ia
Por caminhos tortuosos descia
No peito um coração que sofria
Mesmo assim minha alma sorria
Ser a brisa suave ele queria
Mas a pele na face enrijecia
O vento soprava enquanto eu ia
Ver onde o horizonte se perdia
Além do mar que se encolhia
Vou voar e me perder no céu um dia
Entre os anjos sei que me envolveria
Jamais provar a dor que me consumia
O vento soprava enquanto eu ia
Quem sou eu
terça-feira, 20 de julho de 2010
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